Retrocesso das castas – 2

Verum et factum convertuntur. E desde que de acordo com o irrealismo típico destas correntes, (a) “ser” significa “saber”; (b) o espírito é identificado com a idéia; e (c) o produtivo e imanente processo de conhecer é identificado com o processo de realidade, o caminho da quarta casta é refletido nas regiões mais altas e se posiciona como sua fundamental “verdade”. Da mesma forma, ali há um ativismo no plano das teorias filosóficas que aparenta estar de acordo com o mundo criado pelo advento da última casta e sua “civilização de trabalho”.

 

Falando de forma geral, este advento é refletido nas ideologias modernas acima mencionadas de “progresso” e “Evolução”, que tem distorcido uma irresponsabilidade “científica” de qualquer visão superior da história, promovido o definitivo abandono das verdades tradicionais, e criado os mais ilusórios álibis para a justificação e glorificação do homem moderno. O mito do evolucionismo é nada mais que a professão da fé do novo-rico. Se nos tempos recentes o Ocidente não mais acredita na nobreza das origens más na noção que a civilização se ergue como resultado do barbarismo, religião da superstição, homem do animal, (Darwin), pensamento da matéria, e toda a forma espiritual da “sublimação” ou transposição do material que origina o instinto, libido, e complexos do “inconsciente coletivo” (Freud, Jung), e assim por diante – nós podemos ver em tudo isto não mais que o resultado de uma busca desviada, más particularmente, e acima de tudo, um alibi ou algo que a civilização criada por ambo s os seres baixos e as r evoluções dos servos e párias contra a sociedade aristocrática antiga necessariamente tinha que acreditar em e desejar ser verdadeiro. Não há uma dimensão na qual, de uma forma ou de outra, o mito evolucionário não se sucedeu em infiltrar-se com consequências destrutivas; os resultados tem sido a queda de cada valor, a supressão de todo o sentido de verdade, a elaboração e ligação ao mesmo tempo (como num círculo mágico inquebrável) do mundo habitado por uma humanidade iludida e profanada. De acordo com o historicismo, o assim chamado Idealismo pós-Hegeliano veio a identificar a essência do “Espírito Absoluto” com sua “transformação” e sua “auto-criação” – este Espírito não era mais entendido como um Ser que é, que domina, e que possui a si mesmo; o auto-feito homem que quase se tonou o novo modelo metafísico.

 

cover Não é fácil separar o processo de retrocesso junto do caminho do ouro (era dos mercadores) do retrocesso junto do caminho do trabalho (era dos servos), desde que estes dias são interdependentes. Para os todos propósitos práticos, assim como hoje o trabalho como um dever universal não é mais percebido como um valor não-natural, absurdo e repugnante, da mesma forma, ser pago não parece ser repugnante más no contrário parece ser muito natural. Dinheiro, que não mais “queima” as mãos que toca, foi estabelecido como um laço invisível de escravidão que é pior e mais depravado que aquele que a alta “estatura” espiritual de senhores e conquistadores retia e justificava.

 

Assim como qualquer forma de ação tende a se tornar ainda outra forma de trabalho assim ela é associada com pagamento. E enquanto de um lado ação reduzida à trabalho é julgada pela sua eficiência nas sociedades contemporâneas, assim como o homem é valorizado pelo seu sucesso prático e pelo seu lucro; e enquanto, assim como alguém observou, Calvin agiu como um denunciante ao ver que lucro e riqueza foram cobertos em misticismo de uma eleição divina – por outro lado, o espectro da fome e desemprego espia sobre estes novos escravos como uma ameaça mais medonha que a ameaça do chicote nos tempos antigos.

 

Em qualquer evento, é possível distinguir uma fase geral na qual o desejo por lucro disposto por indivíduos solteiros que buscam riqueza e poder é o motivo central (a fase que corresponde ao advento da terceira casta) de uma fase adiante que ainda está se desvelando, caracterizada por uma economia soberana que se tornou quase independente ou coletivizada (o advento da última casta).

 

Neste respeito, é interessante notar que o retrocesso do princípio de “ação” para a forma própria para a casta inferior (trabalho, produção) é frequentemente acompanhada por um retrocesso análogo com respeito ao princípio de “asceticismo”. O que cresce é quase um novo asceticismo de ouro e trabalho, porque do jeito que ele é exemplificado por figuras representativas desta fase, trabalhar e acumular uma fortuna se tornam coisas que são desejadas e amadas por seu próprio propósito, como se elas fossem uma vocação. Assim nós vemos frequentemente, especialmente na America, capitalistas poderosos que aproveitam suas riquezas menos que o último dos seus empregados; ao invés de possuir riquezas e se livrar delas e assim empregá-las para financiar formas de magnificência, qualidade, e sensibilidade para vários preciosos e privilegiados espetáculos (como foi o caso nas aristocracias antigas), estas pessoas parecem ser meros gerentes de suas fortunas. Apesar deles serem ricos, eles buscam u m número crescente de at ividades; é quase como se eles fossem instrumentos ascéticos e impessoais cuja atividade é devotada a acumular, multiplicar, e jogar em redes ainda maiores (que às vezes afetam as vidas de milhões de pessoas e os destinos de nações inteiras) das forças sem face do dinheiro e da produção (8). Fiat productio, pereat homo, Sombart corretamente observou quando notando que a destruição espiritual e o vazio que o homem criou em torno de si mesmo, depois que ele se tornou “homo economicus” e um grande empreendedor capitalista, forçou-o a transformar sua atividade (lucro, negócios, prosperidade) num fim em si mesma, para amá-la e desejá-la pelo seu próprio propósito até que ele cai vítima da vertigem do abismo e o horror de uma vida que é totalmente sem sentido (9).

 

Julius Evola, The Doctrine of Awakening Até a relação da economia moderna com as máquinas é significante em respeito ao despertar de forças que sobrepujam os planos daqueles que inicialmente as evocam e carregam tudo junto com elas. Uma vez todo o interesse por qualquer coisa superior e transcendente foi perdido ou riu-se dele, o único ponto de referência restante foi a necessidade do homem, num puro sentido animal e material. Mais ainda, o princípio tradicional da limitação da necessidade de alguém dentro do contexto de uma economia normal (uma economia balanceada baseada no consumo) foi resposta com o princípio da aceitação e multiplicação da necessidade, que foi paralela com a assim chamada Revolução Industrial e o advento da era das máquinas. Inovações tecnológicas levaram automaticamente a humanidade da produção para a superprodução. Depois que o frenesi “ativista” despertou e a frenética circulação de capital – que é multiplicado através da produção em ordem de pôr novamente em circulação através de investimentos produtivos mais adiante – foi posto em movimento, a humanidade finalmente chegou à um ponto onde o relacionamento entre necessidade e máquina (ou trabalho) foi totalmente revertido; ele não é mais a necessidade que requere o trabalho mecânico, más o trabalho mecânico (ou produção) que gera novas necessidades. Num regime de superprodução, em ordem para que todos os produtos sejam vendidos é necessário que as necessidades de indivíduos solteiros, longe de serem reduzidas, sejam mantidas e até multiplicadas para que o consumo assim possa aumentar e o mecanismo seja mantido funcionando em ordem de evitar o congestionamento fatal que poderia levar à uma das duas consequências: tanto guerra, entendida com o meio para a afirmação violenta por um grande poder produtivo e economico que clama não ter “espaço suficiente”, ou desemprego (greves industriais como uma resposta à crise no trabalho e mercado e no consumerismo) com suas posteriores crises e tensões sociais precipitando a insurreição do Quarto Estado. Enquanto um fogo começa outro fogo até que uma área inteira arda em chamas, assim é como a economia afetou a essência interna do homem moderno através do mundo que ele mesmo criou… Esta presente “civilização”, começando das estufas Ocidentais, estendeu o contágio para cada terra que era ainda saudável e levou para todas as camadas da sociedade e todas as raças os seguintes “presentes”: inquietação, insatisfação, ressentimento, a necessidade de ir mais adiante e mais rápido, e a inabilidade de alguém ter uma vida em simplicidade, independência, e balanço. A civilização moderna empurrou o homem adiante; ela gerou nele a necessidade de um número crescente de coisas; ela fez ele mais e mais insuficiente para si mesmo e impotente. Assim, cada nova invenção e descoberta tecnológica, ao invés de uma conquista, realmente representa uma derrota e um novo açoitamento numa corrida cada vez mais rápida cegamente tomando o lugar dentro de um sistema de condicionamentos que são crescentemente sérios e irreversíveis e que para a maioria passa despercebido. Assim é como os vários caminhos convergem: civilização tecnológica, o papel dominante da economia, e a civilização de produção e consumo todos complementam para a exaltação do tornar a ser e do progresso; em outras palavras, elas contribuem para a manifestação do elemento “demônico” no mundo moderno (10).

 

Reconhecendo as formas degeneradas de asceticismo, eu vou dispor um ponto fora do fenômeno que é mais apropriadamente conectado ao plano do “trabalho” (isto é, da quarta casta). O mundo moderno conhece uma versão sublimada do trabalho em que o último se torna “desinteressado”, desunido do fator economico e da idéia do objetivo prático ou produtivo e toma uma forma quase ascética; eu estou falando de esporte. Esporte é um meio de trabalho no qual o objetivo produtivo não mais importa; assim, esporta é desejado pelo seu próprio propósito e mera atividade. Alguém apontou que esporte é a religião do “colar azul” (11). Esporte é a típica falsificação da ação no sentido tradicional da palavra. Uma atividade sem propósito, ele é entretanto ainda caracterizado pela mesma trivialidade do trabalho e pertence ao mesmo grupo físico e sem luz de atividades que são perseguidas nos vários cruzamentos nos quais a contaminação plebéia ocorre. Embora através da prática do esporte é possível alcançar uma evocação de forças profundas, o que isto soma é o divertimento de sensações e um sentido de vertigem e no máximo, a excitação derivada do direcionamento da energia de alguém e vencer uma competição – sem qualquer referência elevada e transfigurativa, qualquer senso de “sacrifício” ou oferecimento desindividualizado sendo presente. Individualidade física é amada e fortalecida por esporte; assim a corrente é confirmada e cada resíduo de sensibilidade sutil é sufocado. O ser humano, ao invés de crescer num ser orgânico, tende a ser reduzido à um pacote de reflexos, e quase a um mecanismo. É também muito significante que as camadas mais baixas da sociedade são aquelas que mostram mais entusiasmo por esportes, exibindo seu entusiasmo em grandes formas coletivas. Esporte pode ser identificado como um dos sinais preventivos do tipo de sociedade representado por Chigalev em O Obcecado de Dostoyevsky; depois do tempo requerido havia passdo para uma educação equilibrada e metódica direcionada à ex tirpar o mal representad o pelo “Eu” e pela livre vontade, e não mais percebendo que eles são escravos, todos os Chigalevs voltam à experimentar a inocência e a felicidade do novo Eden. Este “Eden” difere daquele bíblico apenas porque o trabalho seria a lei universal dominante. Trabalho como esporte e esporte como trabalho num mundo que perdeu o sentido dos ciclos históricos, assim como o senso da verdadeira personalidade, pode provavelmente ser o melhor meio de implementar tal idéia messiânica. Assim, não é uma coincidência que em muitas sociedades, seja espontaneamente ou graças ao estado, grandes organizações esportivas se ergueram como os apêndices de várias classes de trabalhadores, e vice versa.

 

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Notas

 

8. Veja M. Weber, The Protestant Ethics and the Spirit of Capitalism, no qual as raízes Protestantes de tal versão “ascética” do capitalismo são discutidas. Originalmente havia uma separação entre salário como uma “vocação” e o divertimento das riquezas, a última sendo vista abaixo como um elemento pecaminoso da deificação e orgulho da criatura humana. Naturalmente, no curso da história as considerações religiosas originais foram eliminadas; hoje nós apenas encontramos formas puramente escrupulosas e seculares.
9. W. Sombart, Il borghese.
10. A palavra “demoníaco” não é obviamente entendida no sentido Cristão da palavra. A expressão “povo demoníaco” encontrado no Bhagavadgita aplica-se muito aos nossos contemporâneos: “Assim eles são importunados com preocupações inumeráveis que duram muito, todo sua vida, até a morte. Seus objetivos mais altos é a diversão sensual, e eles pensam firmemente que isto é tudo.” (16, 11).
11. A. Tigher, Homo Faber, p. 162.

(Tradução por Fabius Maximus Sanguinus)

 

* Este artigo é o capítulo 14, 2º Parte, do Revolta contra o mundo moderno, Inner Traditions International, Rochester, USA, 1995. Trad. por Guido Stucco.

 

PARTE 1

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