Retrocesso das castas – 1

 

Julius Evola, Revolt against the Modern World Como meu intento era oferecer uma vista de cima da história, nas páginas prévias eu apresentei todos os elementos necessários para formular uma lei objetiva em trabalho nos vários estágios do processo de decadência, isto é, a lei da regressão das castas (1). Uma transferência progressiva de poder e tipo de civilização ocorreu de uma casta para a próxima desde tempos pré-históricos (de líderes sagrados, para uma aristocracia guerreira, para os mercadores, e finalmente os servos); estas castas em civilizações tradicionais correspondem às diferenciações qualitativas nas principais atividades humanas. Na face deste movimento geral qualquer coisa com respeito aos vários conflitos entre pessoas, na vida de nações, ou outros acidentes históricos representam apenas um papel contingente e secundário.

 

Eu já discuti a aurora da era da primeira casta. No Ocidente, os representativos da realeza divina e os líderes que personificam os dois poderes (espiritual e temporal), no que eu chamei “virilidade espiritual” e “soberania Olimpiana,” pertencem à um passado muito distante e quase mítico. Nós temos visto como, através da deterioração gradual da Luz no Norte, o processo de decadência foi desvelado; no ideal Gibelino do Sacro Império Romano eu tenho identificado o último eco da tradição mais elevada.

 

Uma vez o appex desapareceu, a autoridade desceu ao nível imediatamente abaixo, isto é, à casta dos guerreiros. O estágio foi então posto para monarcas que eram meros líderes militares, senhores da justiça temporal e, em tempos mais recentes, soberanos políticos absolutos. Em outras palavras, a realeza do sangue repôs a realeza do espírito. Em poucas instâncias é ainda possível encontrar a idéia de “direito divino,” más apenas como uma fórmula faltando o verdadeiro conteúdo. Nós encontramos tais governantes na antigüidade atrás de instituições que retém os traços de regime sagrado antigo apenas numa maneira formal. Em qualquer evento no Ocidente, com a dissolução da ecumena medieval, a passagem para a segunda fase se tornou toda abraçada e definitiva. Durante este estágio, as fidas fortificando o estado não mais tinham um caráter religioso, más apenas um guerreiro; ele significava lealdade, fidelidade, honra. Esta era essencialmente a era e o ciclo das Grandes Monarquias Européias.

 

Então um segundo colapso ocorreu quando as aristocracias começaram a cair em decadência e as monarquias tremerem nas fundações; através de revoluções e constituições elas se tornaram instituições inúteis sujeitas à “vontade da nação,” e às vezes elas eram até expulsas por diferentes regimes. O princípio caracterizando este estado de coisas era: “O rei reina más ele não governa.” Junto com as repúblicas parlamentares a formação das oligarquias capitalistas revelou uma troca de poder da segunda casta (o guerreiro) para o equivalente moderno da terceira casta (a classe mercantil). Os reis das indústrias do carvão, óleo e ferro repõe os reis prévios de sangue e de espírito. A antiguidade, também, às vezes conhecia este fenômeno em formas esporádicas; em Roma e na Grécia a “aristocracia da riqueza” repetidamente forçou a mão da estrutura hierárquica por perseguir posições aristocráticas, minando leis sagradas e instituições tradicionais, e infiltrando a milícia, sacerdócio, ou c onsulado. Em tempos tard ios o que ocorreu foi a rebelião das comunas e o levante de várias formações medievais de poder mercantil. A proclamação solene dos “direitos do Terceiro Estado” na França representou o estágio decisivo, seguido por variedades de “revolução burguesa” da terceira casta, que empregavam ideologias liberais e democráticas para seus próprios propósitos. De modo correspondente, esta era foi caracterizada pela teoria do contrato social. Nesta época o contrato social não era mais uma fidas de um tipo guerreiro baseado em relações de fidelidade e honra. Ao invés disso, ele tomou um caráter utilitário e econômico; ele se consistia num acordo baseado em conveniência pessoal e num interesse material que somente um mercador poderia ter concebido. Ouro se tornou uma poderosa e significativa ferramenta; aqueles que sabiam como adquiri-lo e multiplicá-lo (capitalismo, alta finança, trustres industriais), atrás das aparências da democracia, virtualmente controlava o poder político e os instrum entos empregados na arte da formação de opinião. Aristocracia deu lugar à plutocracia, o guerreiro, ao banqueiro e industrialista. A economia triunfou em todas as frentes. Comerciar com dinheiro e interesses devidos, atividades antes confinadas aos guetos, invadiu a nova civilização. De acordo com a expressão de W. Sombart, na terra prometida do puritanismo Protestante, Americanismo, capitalismo, e o “espírito Judeu destilado” coexistiram. É natural que dadas estas premissas congeniais, os representantes do Judaísmo secularizado viram os meios para conseguir que o domínio mundial se abrisse para eles. Neste respeito, Karl Marx escreveu:

 

Quais são os princípios mundanos do Judaísmo? Necessidade prática e a busca de sua própria vantagem. Qual é o seu deus terrestre? Dinheiro. O Judeu se emancipou num típico costume Judaico não apenas em que ele tomou o controle do poder do dinheiro, más também em que através dele, o dinheiro se tornou um poder mundial e o prático espírito Judeu do povo Cristão. Os Judeus se emanciparam enquanto os Cristãos se tornaram Judeus. O deus dos Judeus se tornou secularizado e se tornou o deus da terra. A permuta é o verdadeiro deus dos Judeus. (2)

 

Julius Evola, Men Among the Ruins: Post-War Reflections of a Radical Traditionalist Na realidade, a codificação do tráfico com ouro como um empréstimo carregado com interesses, para o qual os Judeus foram previamente devotos desde que eles não tinham nenhum outro meio através do qual eles poderiam se afirmar, pode ser dito ser a completa fundação da aceitação do desenvolvimento aberrante de tudo o que é bancário, alta finança, e pura economia, os quais se espalham como um cancer no mundo moderno. Este é o tempo fundamental na “era dos mercadores”.

 

Finalmente a crise da sociedade burguesa, luta de classes, a revolta proletária contra o capitalismo, o manifesto declarado na “Terceira Internacional” em 1919, e a correlata organização de grupos e das massas nos quadros próprios para a “civilização socialista do trabalho” – todos estes sustentam testemunho para o terceiro colapso, no qual o poder tende a passar para as mãos da mais baixa das castas tradicionais, a casta das bestas de carga e os indivíduos padronizados. O resultado desta transferência de poder foi uma redução do horizonte e valor para o plano da matéria, a máquina, e o reino da quantidade. O prelúdio para isto foi a Revolução Russa. Assim o novo ideal se tornou o ideal “proletário” de uma civilização comunista e universal. (3)

 

Nós podemos comparar o fenômeno mencionado acima do despertar e emanação de forças subhumanas elementais dentro das estruturas do mundo moderno com uma pessoa não pode mais agüentar a tensão do espírito (primeira casta), e eventualmente nem mesmo a tensão da vontade como uma força livre que anima o corpo (casta guerreira), e quem assim cede às forças subpessoais do sistema orgânico e de repente reage quase magneticamente sob o impulso de outra vida que repõe a sua própria. As idéias e as paixões dos demônios logo escapam ao controle do homem e eles começam a agir como se eles teriam adquirido uma vida temerosa e autonôma por si próprios. Estas paixões minam nações e coletividades contra cada outra e resulta em conflitos e crises sem precedentes. Ao fim do processo, uma vez o colapso total teria ocorrido, as esperas por um sistema internacional sob os símbolos mortais do martelo e da foice.

 

Julius Evola, The Mystery of the Grail Tais são os horizontes encarando o mundo conteporâneo. Assim como é apenas por aderir para a livre atividade que o homem pode realmente ser livre e realizar seu próprio eu, da mesma forma, por focar em objetivos práticos e utilitários, realizações economicas, e o que quer que fora uma vez domínio exclusivo das castas inferiores o homem abdica, desintegra, perde seu centro, e abre a si mesmo para forças infernais das quais ele é destinado se tornar o instrumento inconsciente e sem vontade. Mais ainda, a sociedade contemporânea parece um organismo que se deslocou de um tipo humano para um subhumano, no qual cada atividade e reação é determinada pelas necessidades dos ditames da vida puramente física. Os princípios dominantes do homem são aqueles da parte material das hierarquias tradicionais: ouro e trabalho. Isto é como as coisas são hoje; estes dois elementos, quase sem exceção, afetam cada possibilidade de existência e dá forma às ideologias e mitos que claramente testemunham par a a gravidade da pervers ão moderna de todos os valores.

 

Não foi apenas o retrocesso de quatro partes que teve um escopo socio-político, más ele também inverteu cada domínio da civilização. Na arquitetura o retrocesso é simbolizado pela transferência do templo (primeira casta) como o edifício dominante, para a fortaleza e castelo (casta dos guerreiros), para a cidade-estado cercada por muralhas (era dos mercadores), para a fábrica, e finalmente para os edifícios tediosos e racionais que são as colméias do homem-das-massas. A família, que em suas origens tem uma fundação sagrada, transferiu-se para um modelo autoritário (patria potestas num mero senso jurídico), então para a burguesa e convencional, até que ela finalmente se dissolve quando o partido, o povo, e sociedade a substituem em importância e dignidade. A noção da guerra experimenta fases análogas: da doutrina da “guerra sagrada” e do mors triumpalis uma troca ocorreu para a guerra travada em nome do direito e honra do senhor de alguém (casta guerreira); no terceiro estágio conflitos são p roduzidos por ambições nacionais que são contingentes com os planos e interesses de uma indústria e economia supremacista (casta dos mercadores); e finalmente ali cresce a teoria comunista de acordo com a qual guerra entre nações é apenas um resíduo burguês, desde que a única guerra justa é a revolução mundial da classe proletária travada contra o mundo capitalista e assim chamado imperialista (casta dos sevos). Na dimensão estética uma troca ocorre de uma simbólica, sagrada arte quase relatada às possibilidades de predizer os eventos futuros e mágica (primeira casta), para a predominância da arte e poemas épicos (casta dos guerreiros); isto foi seguido por uma troca para a arte romântica, convencional, sentimentalista, erótica e psicológica que é produzida para o consumo da classe burguesa, até que finalmente, novas visões “sociais” ou “socialmente envolvidas” de arte começam a emergir que advogam uma arte para o uso e consumo das massas. O trabalho tradicional conhece a unidade sup erindividual caracteriza ndo as ordens: no Ocidente primeiro vieram as ascetas ordens monásticas; estas foram seguidas pelas ordens de cavalaria (casta dos guerreiros), que por sua vez foram seguidas pela unidade jurada nas lojas Maçonicas, que trabalharam duro para preparar a revolução do Terceiro Estado e o advento da demcoracia. Finalmente ali aparece a rede de quadros ativistas e revolucionários da Internacional Comunista (última casta), empenhada na destruição da ordem sociopolítica anterior.

 

Julius Evola, Meditations on the Peaks É no plano das éticas que o processo de degradação é particularmente visível. Enquanto a primeira idade foi caracterizada pelo ideal de “virilidade espiritual”, iniciação, e as éticas miradas na superação de todos os laços humanos; e enquanto a era dos guerreiros foi caracterizada pelo ideal de heroísmo, vitória, e senhorio, assim como pelas éticas aristocráticas de honra, fidelidade, e cavalaria, durante a era dos mercadores os ideais predominantes foram a economia pura, lucro, prosperidade, e a ciência como um instrumento de progresso industrial e técnico que empurra a produção e os novos lucros numa “sociedade consumista”. Finalmente o advento dos servos corresponde à elevação do princípio do escravo -trabalho- para o status de uma religião. É o ódio trabalhado pelo escravo que proclama sadisticamente: “Se alguém não trabalhar, não deixe-o comer” (2 Thess, 3:10). A estupidez auto-parabenizada do escravo criou incensos sagrados com a exaltação do suor humano, daí expressõ es como “O Trabalho dign ifica o homem”; “A religião do trabalho”; e “Trabalho como um dever ético e social”. Nós aprendemos previamente que o mundo antigo desprezava o trabalho apenas porque ele conhecia a ação; a oposição da ação ao trabalho como uma oposição entre o pólo livre, puro e espiritual, e o pólo impuro e material, impregnado apenas com possibilidades humanas, estava na base daquele desprezo. A perda do sentido desta oposição e a subordinação animalesca do primeiro ao último, caracteriza as últimas eras. E quando nos tempos antigos cada trabalho, através de uma transfiguração interna devido à sua pureza e seu sentido como uma “oferenda” orientada para cima pôde redimir à si mesmo até que se tornou um símbolo de ação, agora, seguindo uma reviravolta na direção oposta (que pode ser observada durante a época dos ervos), cada resíduo de ação tendeu a ser degradada à forma do trabalho. A degeneração da aristocracia antiga e ética sagrada na moralidade materialista, moderna e plebéia é expressiv amente caracterizada por tal troca do plano da ação para o trabalho. Homens superiores que viviam num não tão distante passado, tanto atuavam ou direcionavam ações. O homem moderno trabalha (4). A única diferença real hoje é aquela que existe entre os vários tipos de trabalho; ali há trabalhadores “intelectuais” e aqueles que usam seus braços e máquinas. Em qualquer evento, a noção de “ação” está morrendo no mundo moderno, junto com aquela da personalidade absoluta. Mais ainda, entre todas as artes encarregadas, a antiguidade reconhecia como a mais desgraçada aquela devotada à busca de prazer -minimaeque artes esa probandae, quae ministrae sunt voluptantum (5), isto, depois de tudo, é precisamente o tipo de trabalho mais respeitado nestes dias e época. Começando com o cientista, técnico, e político, e com o sistema racionalizado de organização produtiva, “trabalho” levou supostamente para a realização de um ideal mais ajustado para um animal humano: uma vida fácil que é mais agra dável e segura com a max imização do bem-estar de alguém e conforto físico. A geração contemporânea de artistas e “mentes criativas” da burguesia é o equivalente daquela classe de “servos de luxo” que atendiam ao prazer e distrações do patriciado Romano e mais tarde, dos senhores feudais medievais.

 

Então novamente, enquanto os temas próprios a esta degradação encontram suas expressões mais caracterísitcas no plano social e na vida contemporânea, eles não falham ao criar uma aparência de plano especulativo e ideal. Foi precisamente durante a época do humanismo que os temas plebeus e anti-tradicionais emergiram nas visões de Giordano Bruno que, ao inverter valores tradicionais, exaltou a era do trabalho e esforço humano sobre e contra a Era Dourada (da qual ele conhecia absolutamente nada) em um costume masoquista e com autentica estupidez. Bruno chamou de “divina” a direção embrutecida da necessidade humana, desde que tal direação é responsável por produzir “crescentes artes e invenções maravilhosas”, por remover a humanidade adiante da Era Dourada que ele reconhecia como animalística e preguiçosa, e por tirar seres humanos de perto de Deus (6). Em tudo isto nós encontramos uma antecipação destas ideologias que, por virtude de seres conectados à época da Revolução Francesa, r econheciam o trabalho co mo o elemento principal do mito social e reviveram o tema messiânico em termo de trabalho e máquinas, todos ao mesmo tempo cantando os louvores do progresso. Mais ainda, o homem moderno, seja consciente ou inconsciente, começou a aplicar-se ao universo e projetou-se num plano ideal de experiências que ele aprendeu nas oficinas e fábricas e pelo qual a alma se tornou um produto. Bergson, que exaltou o élan vital, é um que drenou a analogia como apenas um moderno poderia entre atividade técnica produtiva inspirada por um mero princípio prático e os meios de inteligência próprios. Tendo coberto com ridículo a antiga idéia “inerte” de conhecimento como contemplação, O completo esforço da epistemologia moderna nas suas mais radicais trajetórias consiste-se em assimilar conhecimento ao trabalho produtivo, de acordo com os postulados: “Saber é fazer” e “Alguém pode apenas realmente saber o que um faz” (7).

 

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1. A idéia do retrocesso das castas, que eu referi previamente em meu panfleto Imperialismo Pagano (Roma, 1927), foi detalhado por V. Vezzani e por R. Guénon em seu Autorité spirituelle et pouvoir temporel (Paris, 1929); finalmente, ele foi exposto num costume independente por H. Berls em Die Herufkunst des fünften Standes (Karlsruhe, 1931). Esta idéia tem uma correspondência analógica com a doutrina tradicional das quatro eras, desde que cada uma das quatro castas tradicionais personifica os valores que tem predominado durante o processo de retrocesso de quatro partes.
2. Deutsch-französiche Jahrbücher, Paris, 1844, pp. 190-212.
3. D. Merezhkovsky, Les Mysteres de l’Orient: “A palavra “proletário” vem do Latim proles, que significa posteridade, generação. Proletários ‘produzem’ e geram com seus corpos, más são eunucos espirituais. Eles não são homens e mulheres, más anônimos ‘companheiros’, formigas impessoais que são parte do formigueiro humano”.
4. O. Spengler, Untergang des Abendlandes (Wien-Leipzig, 1919, vol. I, ppr. 513, 619). Trad. ingl.: The Decline of the West. O termo “ação” é aqui usado como um sinônimos para a atividade espiritual e desinteressada; assim ela pode ser aplicada para a contemplação, que na idéia clássica foi frequentemente reconhecida como a forma mais pura de atividade; ela tem seu objeto e objetivo em si mesma e não precisa de “algo mais” em ordem de ser implementada.
5. Ciceron, De offic., I, 42.
6. Giordano Bruno, Spaccio della Bestia trionfante, diálogo III.
7. Veja A. Tilgher, Homo faber, pp. 120-121, 87.

 

(Tradução por Fabius Maximus Sanguinus)

 

* Este artigo é o capítulo 14, 2º Parte, do Revolta contra o mundo moderno, Inner Traditions International, Rochester, USA, 1995. Trad. por Guido Stucco.

 

PARTE 2

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